Voz do MS

Crônica

Relato de uma experiência na selva de pedra.

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Solidão é um sentimento bizarro. Como pode alguém sentir-se sozinho ao lado de tanta gente? É estranho como dentro de nós tem um buraco enorme, e só percebem aqueles que param para olhar pra dentro.

Esse dia eu parei. E olhei. E geralmente são nesses momentos que você paralisa. O que tem aqui dentro? E se você já não se reconhece no espelho, e nem nas fotos passadas? Quem será eu?

É tão desesperador como o texto de Clarice quando ela se pergunta, Se eu fosse eu... Por que sinceramente não sei se eu sou eu como eu sou. Seja como for. O peito apertou.

Sai pra rua. Há quem diga que a lua fala aos ouvidos dos solitários. Sentei no mirante da nove de julho. Ironicamente, a lua não apareceu.

Nas escadas tinha alguns casais, grupo de amigos, mas não tinha ninguém sozinho. Sentei num cantinho. E pensei em reclamar. Pensei em reclamar pois estava em São Paulo e estava doendo. Medo, solidão, cansaço, desânimo...  Eu não tinha um carinho, um namoradinho pra segurar aquela barra quando aperta, pra abraçar. Não estou com nenhum trabalho fixo e vivo de freelas, por isso às vezes tenho muito tempo livre pra pensar no que não devo. Sinto que nunca eu vou encontrar alguém que me entenda de verdade, nas minhas loucuras. Não bastasse isso tem aquelas palavras e aqueles capetinhas que ficam dizendo um monte de merda na nossa cabeça. Dizendo que não somos capazes, que não vai dar certo, que é desperdício de tempo, de dinheiro. Que nossos sonhos não são importantes ou até... Que sonho? Você nem sabe seu sonho, nem sabe o que quer.  Talvez seja melhor desistir. Tem aquela voz fraca e sombria dizendo que não vamos encontrar quem nos ame, que as pessoas não se importam de verdade. E quando alguém se interessa por você, é só pelo físico, pelo visível, não há nada maior, nada melhor, nada por trás, nada demais, que não sou suficiente. Tantas coisas ruins, negativas. Eu queria esbravejar, queria brigar com meu destino. Queria brigar com Deus, com Universo. Poxa, eu mereço isso? Foi quando eu comecei a refletir, antes de dizer uma só palavra. E resolvi reverter.

Um vento frio bateu nas minhas costas, mas não me deu frio. Eu engoli todas essas palavras.

Eu lembrei da minha mãe, do meu pai, dos meus irmãos. Lembrei dos meus avós, dos meus tios, dos meus primos. Lembrei de como minha família é unida e quanto amor temos um pelos outros. Como nos cuidamos, nos queremos bem, nos amamos. Lembrei que eles acreditam em mim, confiam em mim, torcem por mim. E então comecei a lembrar de todos os meus amigos, aqueles que ainda estão na minha vida, os de longa data, e os novos, e até os que não estão mais por perto. Comecei a lembrar de todas as paisagens que eu já vi. De todos os lugares que nunca havia imaginado conhecer que eu já tinha ido. Lembrei de tantos privilégios que eu tenho. Fui só lembrando de todas as coisas maravilhosas que eu tive, que eu tenho, que terei. E quanto, mas quanto amor!

Quando eu percebi eu estava em prantos e a única coisa que eu conseguia dizer, com o coração na mão era: Obrigada!

A história podia acabar aqui, mas não. O universo tinha mais a me dizer, além de me lembrar que temos muito mais a agradecer do que reclamar. A última coisa que eu agradeci foi por que sempre que eu me senti sozinha, durante toda minha vida, sempre que eu precisei, mesmo que eu tivesse em outro país, mesmo que eu tivesse em outra cidade, mesmo que eu estivesse sozinha no quarto, sempre que eu precisei o universo providenciava a pessoa certa e perfeita para o momento pra me abraçar. Afinal, essa não era a primeira vez que eu desabava assim. Eu mal tinha fechado minha boca, um rapaz me vendo chorar e falando sozinha, sentou do meu lado e tentou puxar conversa.

Eu não queria conversar com ele. Eu estava no meu momento. Ele insistiu. Perguntava-me o motivo do meu choro.  Eu acabei cedendo depois de muita insistência e disse: “Não sou de São Paulo e as vezes me sinto sozinha”. “Bom, não sei se você acredita em algo superior, em Deus, mas se você acredita, você deve saber que nunca está sozinha né?”, foi a resposta dele. Do choro ao riso, eu não pude me conter. Como pode ser tão real?

Podia ser só uma frase simples, clichê, de qualquer um que sai dizendo por ai. Mas ali, naquele momento, era resposta de oração, era resposta de amor. Era abraço de mãe, era colo de avô. Eu já não sabia mais se chorava ou se ria. O rapaz percebeu e me chamou pra tomar um quentão. Bom, estamos em  junho, festas juninas em cada esquina. Eu topei.

E o universo falou muito mais comigo. Pasmem, ele me levou para um acampamento de moradores de rua. Eles estavam tomando quentão e se aquecendo perto de uma fogueira. Eu não podia simplesmente chorar ali, mas essa era minha vontade. Eu sentei no meio fio, dividi um copo de quentão com vários moradores de rua, alguns não falaram comigo, outros vieram todos afoitos me dizer que eu era linda, outros vieram me contar suas histórias. Fiquei uma hora ali com eles, escutando suas histórias, vendo o interior de suas casas, olhando em seus olhos e conversando de igual pra igual.  E assim, eu fui pra casa. Revigorada.

A resposta às vezes não está no luxo, no caro, no conforto, no consumismo, no trabalho, nas drogas, nas festas, no lazer. Onde ela está, eu não sei. Mas que aquele dia eu encontrei minha resposta, eu encontrei, de diversas maneiras possíveis. Foram vários preconceitos quebrados, várias correntes, vários medos. E eles, justamente eles, me acolheram quando eu desabei. Eles me deram um abraço quando eu precisei. E eu, que sempre lutei pelo amor, sempre preguei paz, ainda de alguma forma, me sentia superior.  Você que tá lendo isso, talvez saiba o que eu estou dizendo. Mas naquele dia eu vi claramente eles eram eu. E eu era eles.  De verdade,  não sei nem dizer o que conclui com toda a experiência. Demorei uma semana pra conseguir escrever sobre isso.

Sei que do pó viemos e ao pó voltaremos. Sei que é preciso parar e respirar. Olhar pra dentro. Sei também que é todo mundo a mesma coisa: merda! Sei que não está fácil pra ninguém mas mesmo assim, só há motivos pra agradecer. E sei também que tudo que sei, não é nada perto de tudo que há pra saber. Não sou nada, mas também sou tudo. Somos parte de algo maior e quando nos conectamos a esse maior, a mágica acontece.

Eu só sei que eu achava que eu que tinha que dar amor para eles, e foram eles que me deram amor. Então meu amigo. Lê ai e conclui o que você quiser.  Por que faz uma semana que penso todos os dias sobre isso e ainda não cheguei à conclusão alguma. E sei que tenho que ficar me lembrando disso por que o negativo é pegajoso e é difícil de tirar da gente. Mas é preciso elevar os pensamentos.

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