Em MS, mais de 560 imóveis podem ser tomados pelos bancos sem decisão judicial
Supremo Tribunal Federal validou decisão para negócios em que os próprios imóveis são usados como garantia de financiamento
Mato Grosso do Sul registra 37.836 imóveis financiados com recursos da poupança entre janeiro de 2018 e setembro deste ano. Destes, 1,5% (567) está inadimplente há mais de três meses e pode ser tomado pelas instituições financeiras sem a necessidade de decisão judicial.
A ação foi validada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a qual permite a execução de retomada do bem em caso de inadimplência quando o próprio imóvel foi utilizado como garantia do financiamento.
Conforme levantamento da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), mais de 99% dos financiamentos de imóveis com recursos da poupança utilizam o próprio imóvel como garantia da dívida.
“A exceção são algumas operações que utilizam a hipoteca como forma de garantia [financiamento para produção], e a grande maioria dos negócios utilizam a alienação fiduciária”, explica o gerente de Inteligência de Mercado da Abecip, Leonardo Rangel.
Ainda de acordo com a entidade, neste ano, a taxa de inadimplência no País para financiamentos imobiliários utilizando o próprio imóvel financiado como garantia do negócio chegou a 1,5% em setembro.
MUDANÇA
Advogado especialista em Direito do Consumidor e secretário-geral adjunto da Comissão do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso do Sul (OAB-MS), Leandro Provenzano, enfatiza que não houve mudança na legislação, sendo válida a decisão do STF somente para financiamentos onde o bem que pode ser retomado pelo banco é a própria garantia do financiamento.
“Não é que eu peguei um empréstimo no banco de R$ 20 mil e o banco pode pegar minha casa sem processo. Tem esse sistema de financiamento em que o próprio bem é a garantia de pagamento para o banco”, ressalta o advogado.
Provenzano destaca que esse tipo de financiamento é utilizado porque pode reduzir a taxa de juros, tendo em vista que a garantia é certa, caso o consumidor não pague as parcelas.
“O que vai haver é que o banco vai fazer a retomada desse bem por um procedimento chamado de consolidação do imóvel, que é quando volta a ser dono do imóvel. Vai tirar o nome desse consumidor da matrícula, que anteriormente estava como propriedade do banco com alienação fiduciária para o consumidor, e, quando quitado, a alienação é transferida para o nome do consumidor até que essa quitação do financiamento seja feita”, explica.
O advogado pontua ainda que, no caso do não pagamento, a instituição financeira vai retirar o nome do consumidor extrajudicialmente.
“Haverá esse procedimento chamado de consolidação do imóvel, onde o cartório vai fazer uma notificação extrajudicial para esse consumidor, dando prazo para que seja feito o pagamento. Somente depois da confirmação do não pagamento e não havendo acordo entre o consumidor, a construtora e o banco é que será feita a consolidação”.
Provenzano ainda faz um alerta aos consumidores, que devem estar atentos ao recebimento dos valores que foram pagos.
“Muitos, quando estão inadimplentes, ficam mais vulneráveis e não reclamam seus direitos, podendo até mesmo deixar de receber aquilo que pagaram. É preciso ter muito cuidado e exigir a prestação de contas para fazer o confronto do saldo devedor com aquilo que já foi pago”, conclui.
Advogado empresarial e sócio do escritório Barbosa Milan Advogados, Assahd Milan Neto acrescenta que a retomada do imóvel sem a intervenção do Poder Judiciário é constitucional, conforme está previsto na Lei nº 9.514/97.
“Na teoria, o STF resolveu a questão que estava pendente, decidindo que a execução extrajudicial de imóveis dados em garantia pelo devedor é compatível com as garantias processuais, entendendo que a cobrança realizada em cartório do valor do débito e o leilão extrajudicial, no caso de não pagamento da mora, não violam os princípios do contraditório e da ampla defesa”, detalha.
Ele ainda complementa que, na prática, nada muda com a decisão do STF: se o devedor estiver inadimplente, este será intimado e terá a oportunidade de pagar a dívida.
DECISÃO
A ação validada pelo STF permite que bancos e instituições financeiras confisquem imóveis dados como garantia em processos de financiamentos que estejam em atraso sem a necessidade de decisão judicial.
Oito ministros foram favoráveis, a maioria seguiu o voto do relator, Luiz Fux, que durante a sessão afirmou que a execução extrajudicial não afasta o controle judicial, já que o devedor pode, caso verifique alguma irregularidade, acionar a Justiça e proteger seus direitos.
O STF discutiu uma lei de 1997 que criou a alienação fiduciária de imóveis, que permite que o próprio imóvel que é comprado seja usado como garantia para o financiamento.
Na alienação fiduciária, o imóvel fica no nome da instituição financeira até a quitação da dívida. O comprador, até o fim do financiamento, ganha direito de uso. Após liquidar o débito, o mutuário precisa ir ao cartório para registrar o imóvel em seu nome.
Conforme a lei, ao longo do contrato, caso não haja o pagamento, segundo a norma, o banco pode retomar o processo de forma extrajudicial, ou seja, por meio de cartório e sem a necessidade de interferência da Justiça. (Colaborou Súzan Benites)
Via Correio do Estado MS