Voz do MS

Brasil

Divergências entre três procuradores-gerais marcam investigação contra Transparência Internacional

jornalismo@vozdoms.com.br

Gestão de Augusto Aras defendeu ida do caso ao STF e a de Elizeta Ramos, sua permanência no STJ; Paulo Gonet pediu ao ministro Dias Toffoli o fim da investigação

As gestões de Augusto Aras, Elizeta Ramos e Paulo Gonet no comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) tiveram posições divergentes e contraditórias sobre o tribunal em que deveria tramitar o pedido para investigar a Transparência Internacional e sobre a continuidade da investigação em si.

Augusto Aras chefiou a PGR de setembro de 2019 a setembro 2023. Elizeta Ramos ficou interinamente no comando da instituição entre outubro e dezembro do ano passado. Paulo Gonet assumiu a cadeira de procurador-geral em 18 de dezembro.

O pedido de investigação contra a organização não governamental tramitou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) até o final do ano passado. A gestão Aras defendia a ida do caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a de Elizeta, sua permanência no STJ. O entendimento da PGR sob Aras prevaleceu.

No início de fevereiro, o ministro Dias Toffoli determinou a abertura de uma investigação no STF sobre o papel da ONG na gestão de recursos oriundos do acordo de leniência do grupo J&F. Nesta semana, em uma nova guinada de posicionamento da PGR, Gonet defendeu o arquivamento do inquérito.

Aras: investigação no STF

Na gestão Aras, a PGR foi favorável ao envio do caso ao STF. Um dos pontos citados pela vice-procuradora-geral Lindôra Maria Araújo na época para embasar a posição foi o de que haveria conexão com um caso relatado por Toffoli no tribunal.

“Os fatos noticiados nestes autos possuem conexão fática e probatória com aqueles (…), notadamente no que se refere a atuação da Força-Tarefa da Lava-Jato no âmbito de cooperação jurídica com os organismos internacionais e a informalidade no envio e recebimento das informações que ensejaram diversas condenações no âmbito da Operação Lava-Jato”, sustentou Lindôra.

Elizeta: apuração no STJ

Já Elizeta Ramos, que comandou a PGR entre as gestões Aras e Gonet, afirmou que essa conexão era inexistente. Ela afirmou que os casos tratam de empresas diferentes: a ação de Toffoli se refere ao acordo de leniência da antiga Odebrecht e o pedido para investigar a ONG dizia respeito ao acordo firmado pelo grupo J&F.

Elizeta também ressaltou em seu parecer que os envolvidos e citados no pedido de apuração não tinham prerrogativa de foro no STF — onde são investigados deputados, senadores, ministros, presidente e vice-presidente da República.

As duas manifestações foram feitas em um período de menos de um mês. Lindôra, então número 2 de Augusto Aras, assinou a sua em 22 de setembro. Elizeta, em 18 de outubro, logo depois de assumir o comando interino da PGR.

Os pareceres foram enviados ao ministro Humberto Martins, responsável pelo caso no STJ — onde o deputado Rui Falcão (PT-SP) pediu que a ONG fosse investigada, em março de 2021.

Martins decidiu, em 30 de novembro, enviar o caso ao STF, acolhendo o pedido mais antigo — feito pela vice de Aras — sem se aprofundar no mais recente, de Elizeta Ramos.

O ministro citou em sua decisão as duas posições divergentes da PGR e concluiu: “Mostra-se adequada e prudente a remessa dos autos ao Ministro Dias Toffoli, relator da Reclamação n. 43.007/DF, que poderá analisar todos os argumentos deduzidos nas duas manifestações do Ministério Público Federal”.

O caso chegou ao STF em 7 de dezembro. A decisão de Toffoli foi assinada no início de fevereiro. O ministro disse que seria apurada “eventual apropriação indevida de recursos públicos” pela Transparência Internacional e “seus respectivos responsáveis”. A ONG nega as irregularidades e rechaça as acusações (leia mais abaixo).

Gonet: fim da investigação

O posicionamento de Gonet enviado ao tribunal em 15 de outubro converge em alguns pontos com o de Elizeta. O procurador-geral, assim como a colega, sustentou que o caso não envolve nenhuma autoridade com foro por prerrogativa de função no STF e, por isso, não deveria permanecer no tribunal.

Gonet, na mesma linha de Elizeta, também descartou relação com a força-tarefa da Lava Jato ou ao acordo de leniência pactuado com a antiga Odebrecht, o que justificou o envio do caso do STJ para o STF sob a relatoria de Toffoli.

O procurador-geral lembrou dos dois processos em tramitação no STF e suas diferenças. Disse que um trata de acusação de direcionamento por procuradores de recursos públicos à ONG no âmbito do acordo de leniência da J&F.

E que outro disse respeito a uma ação movida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra a Justiça de Curitiba e os procuradores da Lava Jato, alegando violação do amplo exercício a direitos de defesa, por não ter tido acesso a dados do acordo de leniência da antiga Odebrecht.

“Divorciam-se, pois, todos os elementos dos feitos, desde as partes às causas de pedir e pedidos”, concluiu o procurador-geral Paulo Gonet.

“Não se descuida, por lealdade processual, que a presente Petição aventa, ao final, a possibilidade de que poderia ter ocorrido o alegado ‘desvio de recursos públicos’ em benefício da TI também no contexto da Operação Lava Jato. Nada obstante, a Petição não dispõe de exposição de fatos concretos ou de elementos mínimos a indicar a ocorrência de prática criminosa”, disse Gonet, ao defender o arquivamento do caso.

A investigação

No pedido para investigar a ONG, o deputado Rui Falcão acusou procuradores do MPF de supostos crimes e violações de deveres. Ele citou ligações da instituição com a Transparência Internacional com o fim de desenvolver ações de “combate à corrupção”.

Segundo o parlamentar, “sob o pretexto” de desenvolver ações de combate à corrupção, o Ministério Público Federal teria concedido à ONG “poderes de gestão e execução sobre recursos públicos”, sem que se a fiscalização e controle do Estado.

O deputado citou “circunstâncias” a serem “esclarecidas” sobre a atuação da entidade e de membros do MPF que atuaram nas operações “Greenfield”, “Sepsise” “Cui Bono”, “Carne Fraca” e “Lava Jato”.

A PGR apontou durante o andamento do caso que a Transparência Internacional atuaria na qualificação de uma entidade privada que seria criada para administrar o dinheiro de um fundo que seria abastecido com parte dos valores pagos pelo grupo J&F em seu acordo de leniência.

A ONG, segundo a PGR, passaria depois a estruturar a gestão dos desembolsos dessa entidade privada, além de auxiliar na apresentação de um projeto de investimento na prevenção e no controle da corrupção.

Segundo a PGR, seria “evidente” que o arranjo levaria a administração privada dos valores, de cerca de R$ 2,3 bilhões, “sem que se submeta aos órgãos de fiscalização e controle do Estado”.

Ao abrir a investigação em fevereiro, Toffoli disse que, conforme apontam cláusulas do acordo de leniência do grupo, “ao invés da destinação dos recursos, a rigor do Tesouro Nacional, ser orientada pelas normas legais e orçamentárias, destinava-se a uma instituição privada, ainda mais alienígena e com sede em Berlim”, em referência à organização não governamental.

ONG comemora parecer

Em nota, a Transparência Internacional celebrou a manifestação do procurador-geral. A ONG afirma ser alvo, desde 2018, de campanhas difamatórias baseadas em notícias falsas de que receberia ou administraria recursos de multas de corrupção no país.

A desinformação, diz a ONG, “é fomentada por ações e declarações caluniosas de autoridades públicas de alto escalão, grandes empresários que confessaram esquemas de macrocorrupção e seus advogados, além de redes de blogs partidários e milícias digitais”.

“A decisão do PGR aponta a carência de sustentação comprobatória, com ausência de fatos concretos e elementos mínimos que indiquem ocorrência de prática criminosa. O arquivamento também assinala a incompetência do ministro Dias Toffoli como relator do caso”, diz a ONG.

J&F criticou a ONG

Quando a investigação foi aberta, a J&F informou que a Transparência Internacional tentou insistentemente se apropriar de recursos do acordo de leniência da companhia e de outras empresas.

A J&F afirmou na ocasião que um dos executivos da ONG foi quem indicou à empresa os dados da Transparência Internacional para receber o depósito de recursos do acordo de leniência, enquanto era estruturada a fundação planejada por ela para gerir os valores.

“Foi a resistência da J&F em desviar esses recursos que frustrou procuradores e seus parceiros e agravou a perseguição contra a companhia. A reação da Transparência Internacional contra qualquer tipo de escrutínio legal às suas atividades demonstra que ela não está comprometida com os valores que prega”, informou à empresa em fevereiro.

Via CNN Brasil

Comentários

Últimas notícias