Após um ano, lei que garante absorventes para estudantes de Campo Grande não sai do papel
Mais de um ano depois da Lei 6.662/2021 entrar em vigor em Campo Grande, a distribuição de absorventes para alunas da Reme (Rede Municipal de Ensino) de baixa renda ficou apenas na promessa. O Programa Dignidade Menstrual foi implantado em agosto do ano passado.
A iniciativa partiu da vereadora Camila Jara (PT), que não viu seu projeto virar lei, mas garantiu o compromisso do então prefeito Marquinhos Trad (PSD) de levar a ideia para as escolas.
Na época, a equipe da parlamentar levantou que, pelo menos, 72 mil mulheres e adolescentes estariam na chamada situação de pobreza menstrual, que é a falta de acesso a itens como absorventes femininos, tampões íntimos e coletores menstruais, na Capital.
Emenda garantiu verba para programa de distribuição de absorventes
Em março deste ano, a Câmara Municipal aprovou a derrubada de vetos do Executivo à emenda à LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2022 de R$ 2,4 milhões para a implementação do programa.
“Com a previsão orçamentária e no PPA [Plano Plurianual], está 100% garantida a distribuição. Vai abrir licitação e em três meses deve começar”, declarou Camila na época.
Porém, desde então, a prefeitura não lançou nenhum procedimento licitatório para adquirir os itens. A reportagem do Jornal Midiamax consultou o Portal da Transparência e não encontrou nenhuma licitação relativa ao programa.
Procurada, a prefeitura de Campo Grande não se manifestou até a presente publicação. Os contatos foram devidamente registrados e o espaço segue aberto para posterior manifestação.
Com R$ 2,4 milhões, a vereadora estima que poderiam ser atendidas 16 mil alunas da Reme, com base em dados coletados do Censo Escolar. Uma outra emenda de R$ 7,5 mil ajudaria 50 estudantes na zona rural.
Lei entrou em vigor há um ano, mas não foi regulamentada
Em agosto de 2021, a Câmara aprovou projeto de lei do Poder Executivo que garante a distribuição mensal de absorventes em escolas da rede municipal de ensino.
A medida prevê a ampliação do projeto num segundo momento. A Lei 6.662 foi sancionada em 26 de agosto de 2021, durante as comemorações do aniversário de Campo Grande.
A lei ainda precisa ser regulamentada, o que não aconteceu até o momento.
Projeto de vereadora foi vetado, mas prefeitura lançou versão focada nas estudantes
O projeto que resultou nesta lei é uma versão reduzida do projeto original de Camila Jara, que foi aprovado em julho de 2021.
Estava prevista no texto original a realização de ações de educação e conscientização sobre o tema com o objetivo de desfazer o tabu em torno da menstruação, para que seja encarada como de fato é: um acontecimento natural e normal de corpos que possuem útero.
A equipe da vereadora constatou que, na falta de absorventes, mulheres utilizam jornal, papel higiênico, pedaços de pano e até mesmo miolo de pão, materiais inadequados e inseguros que podem causar infecções e graves problemas à saúde.
Prefeitura estudava lançar programa antes de vereadora
Marquinhos vetou o projeto de Camila, alegando que a matéria deveria ser de iniciativa da prefeitura. O então prefeito alegou que estudava criar o programa antes da vereadora anunciar o projeto.
“Era um programa nosso, quando veio o projeto da Camila ele recebeu o parecer contrário da Procuradoria Geral do Município, dizendo que não teria previsão orçamentária. Da maneira que estava a redação, ele pede a distribuição para todas as pessoas com vulnerabilidade e você não tem como mensurar isso daí. Não havia previsão no Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), o Legislativo não poderia ter a iniciativa”, explicou Marquinhos.
O então prefeito ainda apontou que seria feito um estudo em cada Cras (Centro de Referência da Assistência Social) e escolas da rede municipal de ensino, para identificar o número de jovens assistidas. “Será feito um estudo para ver quais mães vão optar, tem mãe que a filha usa absorvente, mas não vai querer o do município, a gente tem que ver tudo pra não desperdiçar o dinheiro público”, disse.
Pobreza menstrual
A pobreza menstrual é complexa e envolve uma série de fatores, que vão além da falta de absorventes descartáveis. O problema abrange a ausência de banheiros seguros e saneamento básico em casa e até a falta de acesso a medicamentos.
A diretora Maria Neusa dos Santos, da E.M. Elízio Ramires Vieira, no bairro Jardim do Pênfigo, explica que a iniciativa é muito importante para as escolas. A diretora conta que as famílias de baixa renda não têm acesso aos absorventes descartáveis, já que os produtos no supermercado em geral têm ficado cada dia mais caros. “Ainda mais para famílias que têm várias filhas, isso pode acontecer. Elas não têm o material adequado”, diz.
A educadora aponta que, já sabendo que algumas meninas podem não ter acesso ao item de higiene menstrual em casa, a própria escola já vinha se mobilizando para fornecer o material. “A gente sempre acudiu as meninas. Às vezes, a menina está na aula, acontece uma situação ali ou ela precisa fazer a troca. Nas nossas compras da escola, sempre colocamos [o absorvente] para poder acudi-las”, ressalta dos Santos.
Dados do Mapeamento dos Índices de Inclusão e Exclusão Social em Campo Grande apontam que as regiões mais excluídas são as do Anhanduizinho, que inclui bairros como o Los Angeles, Centro Oeste, Lageado e Centenário, por exemplo.
Um levantamento da Unicef (Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância) sobre a pobreza menstrual mostrou que, em Mato Grosso do Sul, mais da metade das alunas no 9º ano estão ao menos parcialmente desassistidas quanto aos itens de higiene pessoal nas escolas. Quanto a estar totalmente desassistida, os estados com maiores percentuais são Acre (5,74%), Maranhão (4,80%), Roraima (4,13%), Piauí (4%) e Mato Grosso do Sul (3,61%).
Via Midiamax